Kumiko Hara Japanese actress and model |
Quando falamos da postura de uma pessoa não transparece
claramente, pela simples palavra, se nos referimos ao seu aspecto corporal ou
moral. De qualquer das formas, esta ambivalência semântica não deve conduzir a
confusões na medida em que a postura exterior é o reflexo da postura interior.
O interno sempre se reflete no externo. Assim falamos, por exemplo, de uma
pessoa reta, na maior parte das vezes sem nos darmos conta sequer de que a
palavra retidão descreve uma atitude corporal que teve consequências capitais
na história da humanidade. Um animal não é susceptível de ser reto porque ainda
não se ergueu.
Em tempos remotos o Ser Humano deu o passo transcendente de
se erguer e dirigir o olhar para cima, para o céu: conquistou assim a
oportunidade de se converter em Deus e, simultaneamente, desafiou o perigo de
se julgar Deus. O perigo e a oportunidade de se ter erguido refletem-se também
no plano corporal. As partes brandas do corpo, que os quadrúpedes mantêm bem
protegidas, ficaram desprotegidas no Homem. Esta falta de proteção e a maior
vulnerabilidade que daí advém vai de par com a virtude polar de uma maior
abertura e receptividade. É a coluna vertebral, em particular, que nos permite
manter uma postura reta. É ela que confere verticalidade, mobilidade,
equilíbrio e flexibilidade ao Ser Humano. A coluna tem a forma de um S duplo e atua
conforme o princípio da amortização. Aquilo que lhe confere flexibilidade e mobilidade
é a polaridade vértebras duras/discos moles. Dizíamos nós que as posturas
interna e externa se correspondem e que essa analogia se espelha num grande
número de expressões idiomáticas: há pessoas retas e coerentes e pessoas que se
deixam vergar; todos conhecemos pessoas rígidas e casmurras e pessoas que não
se importam de gatinhar e se deixam facilmente arrastar; a outros não só lhes
falta atitude, mas também um apoio. Mas é possível, também, influenciar e
modificar artificialmente a atitude externa a fim de simular firmeza interna.
É nesse sentido que os pais incitam os seus filhos
gritando-lhes «põe-te direito!», «será que não és capaz de manter as costas
direitas?», e assim se entra no jogo da hipocrisia.
Anos mais tarde, é o exército que ordenará aos seus soldados
«Sentido!». Aí a situação torna-se grotesca. O soldado é forçado a manter o
corpo direito ao mesmo tempo que é obrigado a vergar-se interiormente. Desde o
princípio dos tempos o exército sempre se empenhou em cultivar a firmeza
exterior apesar de que, do ponto de vista estratégico, tal se afigure uma
idiotice. Durante o combate de nada adianta marchar em fila ou ficar em parada.
Cultiva-se a firmeza exterior apenas para desfazer a correspondência natural
entre firmeza interior e firmeza exterior. A verdadeira instabilidade interior
dos soldados costuma, então, vir ao de cima nos momentos de lazer, após uma
vitória ou em ocasiões similares. Os guerrilheiros por sua vez não cultivam a
postura marcial mas possuem uma identificação íntima com a missão que desempenham.
A eficiência aumenta consideravelmente graças à firmeza interior e diminui com
a simulação de uma firmeza artificial. Basta comparar a postura do soldado, com
as suas articulações rígidas, e a postura do vaqueiro que jamais sacrificaria a
sua liberdade de movimentos bloqueando as próprias articulações. Essa atitude
aberta na qual o indivíduo se situa no seu próprio centro encontramo-la também
no Tai-Chi. (Aqui a palavra utilizada no original é hartnàckig, que se pode
traduzir literalmente por «pescoço duro».)
Toda a postura que não reflita a essência interior de uma
pessoa afigurasse-nos de imediato forçada. Por outro lado, podemos reconhecer
facilmente uma pessoa através da sua postura natural. Se alguma doença a
obrigar a adoptar uma postura que nunca assumiria voluntariamente, a postura em
questão revela-nos uma atitude interna que não foi vivida e indica-nos aquilo
contra o qual essa pessoa se rebela. Ao observarmos alguém temos de distinguir
se ela se identifica com a sua postura ou se adoptou uma postura forçada. No
primeiro caso, a postura reflete uma identidade consciente. No segundo caso, na
rigidez da postura manifesta-se uma zona de sombra que jamais seria aceite
voluntariamente. Assim, o indivíduo que caminha pelo mundo de cabeça erguida
revela uma certa inacessibilidade, orgulho, altivez e retidão. Semelhante
pessoa identifica-se perfeitamente com todas essas qualidades - nunca as negaria.
Algo de bem diferente acontece, por exemplo, no caso da
doença de Bechterew, em virtude da qual a coluna vertebral adquire a forma
típica de uma cana de bambu. Nesse caso, um egocentrismo não assumido
conscientemente pelo doente e uma falta de flexibilidade não reconhecida manifestam-se
no plano somático. Com o tempo a coluna vertebral fica calcificada de cima a
baixo, as costas enrijecem e a cabeça inclina-se para a frente devido à
inversão ou eliminação da sinuosidade da coluna vertebral. O doente não tem
outro remédio senão admitir que na realidade se tornou rígido e inflexível. A
corcunda exprime uma problemática semelhante: a corcunda espelha uma humildade
não assumida de modo consciente.
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